Decisão do STF: COVID-19 passou a ser acidente de trabalho?
por Marcelo de Araújo Ferraz
marcelo@rfmadv.com.br
Informe Semanal – Atualizado em 05/05/2020
O STF suspendeu artigo da MP 927 que determinava que casos do novo coronavírus não eram considerados ocupacionais· Diversas notícias sensacionalistas e com chamadas impactantes tomaram conta do mundo empresarial/jurídico na semana passada. Na última quarta-feira (29/04) o Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão liminar suspendeu dois artigos da MP 927/2020, um deles (art.29) expressamente previa que “os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”. Com a suspensão deste artigo pelo STF estourou em diversos meios de comunicação e redes sociais que aquela corte passou a considerar a COVID-19 como acidente de trabalho, o que, nem de perto, se traduz em realidade. Sem entrar no mérito (o que por si só já caberia uma discussão pujante) quanto as definições de doença ocupacional e acidente de trabalho, passaremos a considerar doença ocupacional como sinônimo de acidente de trabalho, uma vez que, nos termos da Lei nº 8.213/91, as doenças ocupacionais se equiparam aos acidentes de trabalho para fins previdenciários e trabalhistas, sendo este último gênero da qual o primeiro é espécie. Assim, feito esses esclarecimentos iniciais, de pronto, é possível ser categórico quanto ao fato de que o STF não passou a considerar o coronavírus como acidente de trabalho/doença ocupacional. Em verdade, ao suspender o art. 29 da MP 927/2020, retirou uma segurança necessária e lógica aos empregadores de que a pandemia que enfrentamos somente será considerada doença ocupacional, nos casos em que haja a comprovação do nexo causal. Ora, nada mais justo que diante de uma pandemia, de contaminação comunitária (quando não se pode identificar o transmissor), a eventual contaminação não ocorra de forma objetiva pelo trabalho, mas somente quando houver o nexo causal, ainda que estejamos diante de um serviço essencial com índices e probabilidades altas de contaminação, como no caso dos profissionais de saúde que tratam diariamente pacientes infectados. Nesse particular, em recente caso, um médico intensivista testado negativamente para o coronavírus após sair do plantão, retornou após 4 dias ao mesmo hospital com os sintomas e posteriormente foi diagnosticado com o COVID-19. Nesse caso específico a empresa terá como comprovar que a contaminação ocorreu fora do hospital, apesar de todas as probabilidades estarem contra a empresa. Contudo, na prática, a decisão do STF não tem efeito algum, salvo o de retirar uma ratificação específica para a COVID-19 imposta pela MP 927/2020. Isso porque, ao declarar a inconstitucionalidade do ar. 29 da MP, voltamos a nos debruçar sobre a Lei nº 8213/91, em seu art. 20, que já preveem as hipóteses de caracterização de acidente de trabalho/doença ocupacional, mesmo de forma genérica.
Ora, a legislação em vigor desde 1991 e que não sofreu nenhuma consequência decorrente da atual decisão do STF tem redação semelhante ao art. 29 da MP 927. O parágrafo 1º, alínea “d”, do inciso II, do art.20, da Lei nº 8.213/91, atesta que a doença endêmica não é considerada como doença de trabalho, “salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”. Aqui cabe a reflexão de que uma endemia é uma doença típica de uma determinada região que se desenvolve com frequência por causa de determinadas características daquele ambiente. Se diante de uma endemia (que tem natureza mais controlada que uma pandemia) se faz necessário se avaliar o nexo de causalidade para comprovação de doença ocupacional, consideramos que diante de uma Pandemia como Coronavírus por certo continua a vigorar a necessidade de comprovação do nexo causal para que haja a classificação de doença ocupacional/acidente de trabalho. Ainda que esse não seja o entendimento adotado, a própria doença ocupacional é entendida como a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, o que também não leva ao reconhecimento de forma objetiva de que a contaminação pela COVID-19 será vinculada ao trabalho. Deverá ser avaliada a subjetividade do trabalho realizado, os cuidados adotados pela empresa e até mesmo o comportamento do empregado fora do ambiente de trabalho (o que se torna muito mais difícil de se controlar). Diferentemente da contaminação direta do empregado provocado por um acidente no exercício de sua atividade. Situação, aliás, prevista no artigo seguinte da multicitada Lei nº 8.213/91. Vejamos:
Obviamente que diante de uma contaminação acidental no ambiente de trabalho, a responsabilidade será objetiva da empresa e de pronto estará caracterizado o acidente de trabalho, destacando entretanto, que a responsabilidade não é absoluta, uma vez caberá a empresa a comprovação das excludentes de culpabilidade, tais como a culpa exclusiva da vítima. Por fim, feitas as considerações, mesmo suspensa à medida específica trazida pelo art. 29 da MP 927/2020 pela decisão do STF, a análise da COVID-19 e o seu caráter ocupacional depende de meios subjetivos impostos pela Lei nº 8.213/91, cabendo as empresas adotarem as medidas de proteção pertinentes a fim de mitigar eventual responsabilidade, sendo serviços essenciais ou não.
[gravityform id=”1″ title=”true” description=”true”] |